Ah vida

Textos da Madrugada
Então, eu recebi a encomenda.
Minha síndica é ótima.
Uma senhora gordinha, loirinha e animadinha.
A janela dela é de frente para a minha.
Bem.
Estava eu, em casa, assistindo TV e tomando uma cerveja.
Quando escuto um grito “Saaaarah!”
Assustei. Pensei se estava ouvindo direito ou só imaginando.
Segundo grito “OOOO, Saaarah!”
É, tinha alguém gritando meu nome.
Puxei a um pouco da coberta e vi minha síndica olhando sorridente “Ah, que bom! Você ainda esta acordada!”
Pensei comigo mesma “Se não tivesse eu estaria com essa gritaria toda…”
Mas disse “Éé.”
“To indo ai te entregar uma coisa que chegou pra você. Pode?” – disse ela animada.
“Ahn, num rola de jogar pela janela, não?”
“Que isso menina! Vai que cai e quebra! To indo ai…”
E antes que eu pudesse responder ela fechou a janela e apagou a luz.
Respirei fundo e esperei a batida na porta.
*TOC *TOC *TOC
Abri a porta.
Um rato branco correu para dentro do meu apartamento.
Amaldiçoei a vida.
Uma poodle hiperativa não pode resistir a exploração de um lugar novo. E junto dela uma senhora escandalosa a perseguiu apartamento a dentro.
Estava cansada. Minha paciência com as pessoas estava esgotada, tudo que queria era que aquela senhora se explodisse e levasse o rato branco junto.
Respirei fundo. Fiz contagem regressiva. “10, 09, 08, 07, morra, morra, morra…”
Não deu muito certo.
Encostei na porta e assisti a cena que infelizmente nunca sairá do meu cérebro.
“OOOO, Sarah, encurrala ela ai do outro lado da mesa…”
Estava irritadíssima, se fosse para eu me mover seria para pegar uma faca na cozinha e acabar com aquilo tudo.
“Não posso.”
“Uá, por que!?”
“Sou alérgica a cães.” “Moça, para o seu próprio bem, vá embora!”
“Nóóó, que pena…”
Suspirei.
Essa correria patética no meu apartamento durou por volta de uns 05 minutos.
Ela pegou o rato. Andou mole até a porta. Entregou a correspondência. Colocou um pé porta a fora, virou e disse escandalosamente:
“Aqui, se você precisar, conheço uma faxineira nus trinques!” Piscou um olho.
Eu não sorri. “Não, obrigada. Tchau.”
“Tchau, menina. Nossa, você é linda, viu! Magriiiiiinha… Pena que não dura, eu também era um varapau assim!”
Fiz uma expressão estranha similar a um sorriso.
Enquanto fechava a porta a ouvi batendo na porta do 305. “Boa sorte.”
Abri o envelope e dei de cara com um CD.
Animei.
O abri e enfiei no meu PC.
Um dos melhores CDs nacionais que já ouvi. Divertido. Crítico. Punk. Bom.
Des-amaldiçoei a vida. Tomei mais um gole da cerveja. Cada segundo do CD valeu toda a situação de merda passei naquele dia infernal.
Sorri. Com vontade. Suspirei.
“Ah, vida…”